domingo, 5 de setembro de 2010

“LÁ FORA É PRIMAVERA”

Um dia a gente olha no espelho e vê do outro lado um rosto tão diferente! Quanto cansaço!
Quanta tristeza disfarçada em conformismo! Quanta vontade de dizer adeus!
Os olhos fixam frente a frente, outros olhos que se chamam seus, e há neles um ar de tal descrença e uma dor imensa de viver tão sós!.
Corre então, a lágrima primeira do instante amargo e, sem querer chega sem pranto um desejo intenso de não mais viver.
A boca, mais parecendo um ritual de quem cala querendo... dizer tanto, faz a pergunta sem nexo a um espelho sem eco: Por que mais um dia Senhor? Por que? E entre a alma da gente e a imagem refletida há uma distância que cresce e que se torna maior que de uma lua num infinito de solidões sem sóis.
Em vão as perguntas encontram respostas aparentes na superfície do cristal e o vulto que nos fita do outro lado de há muito já perdeu o seu sentido. É sombra que parou no meio da jornada como crepúsculo que surgiu, em certa tarde, e que chorou sentindo a agonia do seu pôr-do-sol. E a gente olha ao longo do horizonte acinzentado e diz com ares de ternura aposentada:
Lá fora é primavera e há tanto inverno aqui dentro de mim!
Então a atenção da gente se volta para as folhas e para as flores e para a natureza em festa. E a primavera, em coloridos tantos, envia ao espírito conturbado a mensagem acalentadora de sua renovação.
E a gente começa a crer, de novo, naquilo que Longfllow dizia do seu dia chuvoso que “atrás de nuvens espessas, embora não vejamos, há sempre um sol escondido para o dia de amanhã”.
E assim, quando eu perguntei às rosas perfumadas que era dos meus sonhos, qual o destino das minhas ilusões, elas apontaram-se o caule de onde vinham, como a dizer que a gente é como as estações do ano. Que há dias de inverno e primavera em nossas vidas para que saibamos dar, no tempo da invernada, o valor real da estação das flores.
Nós somos aqueles troncos fortes que levamos seiva as hastezinhas menores, que damos frutos e que damos flores e que trabalhamos, sem cessar, para que a semente de nossa colheita não torne árido o chão que  outros pisam. Nós somos a raiz que não se verga, mesmo ao sabor das tempestades, e que, às vezes, por capricho ou egoísmo, invejamos a rosa de tão efêmera duração.
Nós somos, enfim, o solo fértil das recordações, onde haverá de repousar, um dia, as pétalas murchas de nossas esperanças para que façamos florescer,de novo, como o orvalho vivificante de nossa coragem e abnegação. Espelhamo-nos, pois, na natureza mestra para aprender com ela que, para haver flores e para haver rosas, que para haver inverno e para haver primavera, é preciso que haja uma sucessão lógica de coisas inevitáveis.
E depois, aprendida a lição, digamos juntinhos, ainda que com o coração aos soluços:
Lá fora é primavera e também aqui dentro de mim...
(Autora: Arita Damasceno Pettená).

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